Especialistas destacam que Tarcísio de Freitas usa emenda constitucional aprovada no Governo Temer e debates sobre a Reforma Tributária para comprometer orçamento de CT&I no estado paulista
Na última semana, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou as diretrizes orçamentárias elaboradas pelo Governo Estadual para o ano de 2025. Entre os temas inseridos pelo governador paulista Tarcísio de Freitas, há a possibilidade de retirada de até 30% dos recursos da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Na prática, isso representa um corte de, aproximadamente, R$ 600 milhões no orçamento da ciência paulista.
Essa ação do Governo Tarcísio se ancora na Emenda Constitucional nº 93 de 2016. Aprovada em nível federal durante o Governo Temer (2016-2018), a legislação permite que estados e municípios possam redistribuir até 30% das suas receitas de impostos, taxas e multas. A emenda tinha vigência até 2023, mas no último ano foi aprovada a sua prorrogação. Agora, ela é parte do texto da Emenda Constitucional nº 132/2023, e essa redistribuição dos recursos arrecadados pode ser realizada até o ano de 2032.
“A Emenda Constitucional nº 93 foi promulgada apenas uma semana depois de concluído o impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016. Ela traz uma exceção importante: nos casos de Saúde e de Educação, devem ser respeitados os compromissos legais e a destinação do orçamento a esses dois setores. Entretanto, é uma medida que compromete outras áreas, como a Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I)”, alerta o presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), Renato Janine Ribeiro.
Janine Ribeiro criticou a prorrogação da Emenda Constitucional, que foi feita às vésperas do encerramento das atividades do Congresso Nacional – ou seja, nos últimos dias de 2023. Isso possibilitou que estados e municípios incluíssem seu regimento nas políticas orçamentárias, o que foi feito no Estado de São Paulo.
“Até agora, o governo de São Paulo não tinha usado esse recurso, não tinha desvinculado o que poderia, de sua arrecadação, pela emenda. Inclusive, a Constituição de São Paulo estipula que o estado deve destinar, no mínimo, 1% da sua arrecadação de impostos à Fapesp. Ao colocar essa possibilidade de corte de recursos nas diretrizes orçamentárias de 2025, isso nos deixa muito preocupados, porque o recurso que será retirado da Fapesp é muito grande para a área de ciência, embora ele não seja tão grande no orçamento geral do estado.”
Mas por que esse corte direto nos recursos da Fapesp? Para a professora Michele Schultz Ramos, que é presidente da Associação de Docentes da Universidade de São Paulo, a Adusp, o governo estadual tem se preocupado com os debates acerca da Reforma Tributária.
“O Governo de São Paulo trouxe essa medida de redistribuição orçamentária obviamente pensando que os estados, por conta da Reforma Tributária, podem perder receita. Na verdade, alguns perderão mais e outros menos. Mas a gente sabe que haverá ajustes por conta dessas perdas. E a gente não tem detalhes também de algumas medidas compensatórias, como, por exemplo, a construção de fundos federais para o repasse aos estados.”
Outro ponto levantado por Ramos é que o cenário econômico não justifica as ações do governador Tarcísio de Freitas. Desde que iniciou seu mandato, em janeiro de 2023, Tarcísio vem apresentando uma série de medidas que comprometem os recursos nas áreas de Educação e de CT&I.
“A gente consegue entender qual é o projeto que ele quer para a Educação, é só vermos as suas últimas medidas, como a aprovação das escolas cívico-militares no estado, a tentativa de não aderir ao Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) e a substituição de docentes conteudistas pelo ChatGPT. Podemos falar também da PEC 9, que é uma Proposta de Emenda Constitucional tramitando na Alesp e que prevê a diminuição dos recursos destinados à Educação de 30% para 25%, sendo que 30% é o mínimo previsto na Constituição do estado. De certa forma, ele está atacando as universidades e a educação básica.”
O Governo Tarcísio também tentou reduzir os recursos destinados às universidades estaduais paulistas USP (Universidade de São Paulo), Unesp (Universidade Estadual Paulista) e Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
“Existe um dispositivo na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do estado, amparado em um decreto de 1989, conhecido como Decreto da Autonomia, que garante o repasse de um percentual do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) para as universidades estaduais, e o governador tentou incluir outras três instituições nesse repasse. É claro que houve uma reação pronta de vários setores, como movimentos sociais, sindicais, além das próprias reitorias dessas instituições, o que fez o governo recuar. Mas esse conjunto de medidas de ataque à Educação nos preocupa.”
Conflito legal
Especificamente sobre a possível redução dos recursos da Fapesp, a presidente da Adusp ainda prevê uma futura batalha legislativa, já que existe um conflito entre a Constituição Federal, que autoriza esse corte, e a Constituição do Estado de São Paulo, que determina o repasse de pelo menos 1% da arrecadação fiscal à área de Ciência, Tecnologia e Inovação.
“Um dispositivo de emenda constitucional é algo transitório, ele tem prazo para vencer, né? Então, será que essa disposição transitória, a nível federal, pode ferir um elemento de uma constituição que está em vigor desde 1989?”, questiona a especialista.
Com a aprovação das diretrizes orçamentárias do estado pela Alesp, o Governo de São Paulo elaborará o projeto de lei que deve pautar a gestão pública em 2025. Esse projeto de lei será encaminhado para votação no plenário da Alesp após o recesso de julho. Para o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, é o momento de evitar que tal política se concretize.
“A nossa preocupação é impedir que isso seja aprovado. É uma luta difícil, mas temos que continuar lutando, inclusive, preparando manifestações públicas contra isso. Temos que idealizar tudo o que for necessário para pressionar o Governo de São Paulo a recuar nesse propósito que só vai prejudicar o estado, porque a gente sabe hoje que a ciência é um dos principais pilares de desenvolvimento econômico de uma região.”
Saiba mais:
Rafael Revadam – Jornal da Ciência